Num Mundo Ideal

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seg, 21/06/2004

Num mundo ideal não haveria terrorismo, e as crianças aprenderiam as habilidades da PNL para a vida antes da puberdade. A organização social seria baseada nas pressuposições da PNL, e a medicina integraria a PNL em todos os tratamentos. Como seria esse mundo? Os dois livros que estou analisando procuram responder essa pergunta. A Ilha (Editora Globo) é uma novela "utópica" mais ortodoxa dentro da tradição da República de Platão. A Quintessência Sagrada (Ed. Record) é ficção científica pesada. O que os dois compartilham é o grande sonho de - para usar as palavras de Robert Dilts - "um mundo em que queiramos viver". De fato, tanto Aldous Huxley como Starhawk têm uma visão profundamente espiritual da sociedade ideal.

A finalidade de ler tais livros não é fugir da "realidade" de nossa vida real para a "Terra do Nunca" espiritual. Contudo, também é verdade, como Oscar Wilde disse uma vez, que um esquema "prático" seria o que já existe ou aquele que pudesse ser realizado dentro das condições existentes. Como são exatamente as condições existentes, que estamos tentando mudar, qualquer desses esquemas seria completamente sem sentido. Esses dois livros pedem-nos que tenhamos a coragem de criar o futuro que desejamos. Eles nos avisam de que poderemos cair na armadilha do pesadelo atual enquanto nossos sonhos não forem suficientemente corajosos para sacudir os fundamentos do mundo.

A Quintessência Sagrada

(The Fifty Sacred Thing, Starhawk, Bantam, New York, 1993 – traduzido pela Editora Record)

"Hoje", disse Madrone, "nós vamos trabalhar com Ancoragem... Ancoragem é uma maneira usada para entrar e sair rapidamente de determinados níveis de transe", continuou ela, "ligando cada nível à sua própria imagem e frase, e a um toque físico em alguma parte do corpo. Portanto, considere-se um parceiro agora..."

Uma citação transcrita de algum de nossos cursos de PNL? Não, na verdade é um excerto de uma novela de ficção/fantasia científica chamada A Quintessência Sagrada. A novela foi escrita por Starhawk, uma escritora feminista respeitada, ativista ecológica e pacífica, e autora de dois livros sobre Wicca. Starhawk é MA em Psicologia e possui conhecimento convincente de fenômenos da PNL como o rapport, ancoragem e integração de partes. Ela foi consultora de três filmes, e viaja muito pela América e Europa, fazendo palestras e dirigindo seminários. Sua primeira novela, de 490 páginas, cria uma sociedade fictícia baseada na compreensão da PNL.

É um desafio para um escritor de não ficção passar para a ficção, e alguns não são bem sucedidos ("O Retorno de Merlin", de Depaak Chopra, por exemplo, é uma grande metáfora, mas uma novela mal escrita. Como leitor de ficção científica, achei-o tortuoso). Starhawk faz mais do que ter sucesso. Ela é aterrorizante! Para aqueles que conhecem a ficção científica, este livro é um reminiscente de Raising the Stones de Sheri Tepper, A Door Into Ocean, de Joan Slonczewski e The City Not Long After, de Pat Murphy. Para aqueles de vocês que ainda não conhecem a ficção científica, sugiro ler esses três depois do livro de Starhawk. A Quintessência Sagrada tem suspense, imprevisibilidade, compaixão e pavor.

A história acontece num futuro não muito distante, nos Estados Unidos. Na Califórnia floresce uma sociedade sem pobreza, sem fome nem intolerância, onde as quatro coisas sagradas que mantêm a vida (terra, ar, fogo e água) são honradas, cuidadas, e disponíveis gratuitamente. Essa sociedade não é perfeita, e tem suas facções, mas já resolveu as diferenças usando um processo de consenso comunitário. As maiores diferenças estão em como responder para o resto dos Estados Unidos, onde um pesadelo está em pleno andamento. A sociedade dirigida por "Administradores" é um estado com o regime de segregação, onde o acesso até mesmo ao alimento e à água potável é estritamente controlado. Nessa sociedade, as mulheres e as crianças são propriedade, e as crianças são alteradas geneticamente e criadas como prostitutas submissas e soldados emocionalmente entorpecidos. O ambiente é uma confusão tóxica, e o governo totalitário continua a desenvolver e liberar vírus destinados a exterminar aqueles que não estão sob seu controle. (isso tudo parece muito normal? Bem, em que "meta" pode ser enquadrado?)

As figuras centrais da história são capturadas nos eventos, à medida que os Administradores finalmente conseguem enviar um exército para o norte, a fim de liberar nossa comunidade utópica. Madrone, Bird, e os outros encaram seus próprios dilemas enquanto planejam como treinar uma sociedade pacífica para responder a um exército que não sente e a generais que acreditam que a espiritualidade, a ecologia e a igualdade humana são o mal. O que você faria, se planejasse subverter uma guerra usando o rapport, a ancoragem e outras "mágicas" como essas? Não há soluções simples. Starhawk é inflexível em seu script; não espera que todos vivam felizes para sempre. Contudo, a sensação geral que ficou para mim neste livro foi de pavor e admiração pelo que os humanos podem fazer quando sabem o que significa ser humano. Eu creio que precisamos de uma nova mitologia para inspirar-nos, e, para mim, a obra Quintessência Sagrada é definitivamente parte dessa mitologia.

A Ilha

(Island, Aldous Huxley, Harper & Row, New York, 1989 - traduzido pela Editora Globo).

A maioria de nós que estudou a famosa distopia de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, conhece seus medos, mas sabe muito pouco sobre suas esperanças. A Ilha, publicada em 1962, apenas dois anos antes da morte de Huxley, é mais do que uma utopia; é sua afirmação da vida e o tecido dos muitos fios na tapeçaria de sua própria vida. A Ilha conta a história da mítica ilha de Pala, no Sudeste Asiático, com uma sociedade baseada na interpretação de Huxley do Budismo Mahayana.

Huxley advogou em favor do sexo tântrico, da não violência, do uso "sacramental" de drogas alucinógenas, e do viver a vida "aqui e agora", muitos anos antes de o resto da Califórnia entrar nisso tudo. Ele também foi um amigo íntimo de outros agentes extraordinários da mudança, como o Professor Indiano Jiddu Krishnamurti, o mestre Taoista Chungliang Al Huang, e o Hipnotizador Milton H. Erickson. O projeto social da Ilha será reconhecido pelos praticantes de qualquer dessas disciplinas, ou alunos desses professores. O trabalho de Huxley com Erickson é discutido na obra de Bandler e Grinder, Patterns of the Techniques of Milton H. Erickson, M.D. Volume I (Meta, Cupertino, Califórnia, 1975).

Lendo a Ilha com a compreensão da PNL, sou tentado a classificar o livro primeiro como uma profecia. Embora não se aprofunde no terreno e se desvie às vezes para a pregação, a obra é uma tocante fábula psicológica estudada com excelente PNL. Como se pode esperar, existem alguns bons exemplos de induções Ericksonianas, e são explicadas a teoria da sugestão indireta e a hipnoterapia. Huxley também levou a Professora Palinesa Susila a introduzir um novo campo, que ela chama de Controle do Destino. Baseia-se em "Apertar nossos próprios botões e visualizar o que gostaríamos que acontecesse". Esses "botões" aos quais se refere são o que nós, da PNL, chamamos de âncoras. Susila demonstra ao seu visitante Will Farnaby que ajustando seu tom de voz e usando certas palavras, ela pode induzir Will a entrar novamente no estado mental em que ele ouviu tais palavras pela primeira vez. O uso de tais botões, diz ela, é ensinado nas escolas elementares Palinesas.

De maneira semelhante, explica ela, diversas técnicas de cura de lembranças traumáticas são ensinadas nessas escolas. Tais lembranças podem, por exemplo, ser visualizadas e as imagens alteradas de maneira que pareçam triviais ou mesmo absurdas, e possam, então, ser abandonadas. Susila também ensina Will a curar sua perna ferida, imaginando que o ferimento é muito pequeno, e seu corpo é muito maior.

Geralmente, é difícil acreditar que esse livro foi escrito 13 anos antes do surgimento da PNL, especialmente quando sabemos que na escola, os jovens estudantes palineses são avaliados em suas preferências visuais, auditivas ou cinestésicas de aprendizado (de modo que possam tanto ser ensinados conforme seu estilo de preferência e auxiliados a desenvolver plenamente todo o seu sistema sensorial). Os Practitioners de PNL também poderão gostar da percepção de metaprogramas de Huxley, e o seu uso da ressignificação.

Publicado na revista Anchor Point de Fev/2002
Publicado no Golfinho Impresso Nº88 - Jun/2002
Trad. Hélia Cadore

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