Série M&C 03 - A dinâmica neocortical da metáfora

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ter, 01/02/2005

Série Explorações Mente e Cérebro

O que é Metáfora?

Quando a maioria de nós pensa numa metáfora, nós prevemos a narração de uma história de imaginação poética. A metáfora é vista tipicamente apenas como uma característica de linguagem, uma questão de palavras ao invés de pensamento ou ação (Lakoff & Johnson 1980). A intenção desse artigo é elucidar a metáfora como uma das ferramentas de linguagem mais fundamentais e intrigantes; cuja principal função é ser a organizadora da informação sensorial e do desenvolvimento das categorias funcionais no cérebro humano. Através da metáfora nós fazemos uso de padrões e relacionamentos que são obtidos na nossa experiência física para organizar o nosso entendimento mais abstrato.

Visto que a comunicação é auxiliada pelos mesmos componentes neurais como o sistema conceitual que nós usamos no pensamento e na ação, a linguagem é uma fonte importante de evidência de como este sistema está organizado e direcionado. Quando nós aproveitamos para dar uma olhada mais profunda na comunicação humana, a evidência linguística suporta a noção de que a maior parte do nosso sistema conceitual é metafórico por natureza. É quase impossível proferir uma única frase sem o uso de metáfora. Na forma linguística mais básica, a essência da metáfora é o entendimento e a experimentação de um tipo de assunto em termos de outro.

Um exemplo simples disso seria o conceito metafórico - o cérebro é um computador. Esse conceito metafórico tem a capacidade de estruturar e organizar as nossas percepções sensoriais, pensamentos e ações com relação ao cérebro em termos de um objeto mais familiar para a nossa experiência sensorial, isto é, um computador. A intenção dessa estrutura linguística é ajudar o leitor ou ouvinte a entender e experimentar o cérebro em termos de uma estrutura mais comumente testada na vida diária pelos sistemas sensoriais do ser humano.

Você pode obter evidência linguística de que a estrutura básica da metáfora está em operação ao prestar atenção às expressões idiomáticas. Embora a pessoa possa não estar consciente de que o seu sistema nervoso está organizando o "cérebro" em termos de "computador", a sua linguagem irá refletir essa organização através de afirmações tais como "ele precisa de uma programação mais positiva" ou "você pode repetir porque eu não consegui computar da primeira vez".

Visto que esses padrões linguísticos são muito comuns, nós tendemos a não prestar atenção para a estrutura oculta responsável por gerar o padrão em si. Todos nós temos ouvido frases como:

"Eu preciso de algum tempo inativo; Eu preciso arquivar isso no meu banco de dados; Eu preciso de tempo para processar esta informação; Eu vou armazenar isto no fundo da minha mente; Eu não consigo receber mais nenhuma informação, eu estou sobrecarregado; Eu sou incapaz de acessar esta memória".

Essas simples frases escapam todos os dias através da nossa consciência e da estrutura da experiência daqueles que estão ouvindo-as, mesmo que nós nunca tenhamos afirmado claramente o fundamento de que o cérebro é um computador. Como isso é possível?

Uma maneira para entender esse fenômeno é explorar os seus efeitos no nível da ancoragem. As âncoras digitais auditivas estabelecem uma tremenda flexibilidade e poder discriminatório no processo de recategorizar os inputs sensoriais armazenados em novas estruturas. Uma âncora digital auditiva, como a palavra computador, tem a capacidade de acessar um rico conjunto de experiências sensoriais através de todas as modalidades sensoriais e sobre diversos contextos, cada um dos quais pode ser um subconjunto de outro conjunto de categorias e experiências de referência. Isso é conhecido pelos practitioners de PNL como quádruplos (4-tuple).

Poucos sistemas de ancoragem têm o poder e a riqueza de acessar um conjunto tão vasto de experiências conceituais e dados sensoriais como uma simples sequência fonética. Para realmente entender o poder de tal sistema, nós precisamos descer temporariamente para o nível da dinâmica neocortical e examinar os processos corticais que ocorrem no cérebro humano durante a percepção, o armazenamento e a formação da subsequente categoria de informação sensorial que entra.

Como o nosso sistema nervoso processa a informação sensorial?

Percepção e padrões de armazenamento: a percepção é um processo ativo e criativo (Kosslyn, et. al., 1994) em constante flutuação dinâmica, em oposição ao detectar que é um processo mais passivo. A imaginação interna, por meio de todos os nossos sistemas representacionais é usada durante o processo de percepção.

Um exemplo superior disso é a nossa capacidade de perceber uma imagem parcial ou degradada. Muitos de nós já tivemos a experiência de ser capaz de reconhecer um amigo que não víamos há muitos anos. É surpreendente como o cérebro humano tem a capacidade de comparar inputs sensoriais e representações internamente armazenadas que resultam no reconhecimento de um velho amigo, de qualquer ângulo, na maioria das vezes de qualquer distância, pelo jeito de caminhar, pelo som da sua voz, pela imagem de um rosto envelhecido 15 anos ou mesmo pela parte que restou de uma fotografia rasgada ao meio.

Essa extraordinária capacidade não seria possível se nós tivéssemos armazenado e recuperado "exatamente" aquilo que nós experimentamos. Um ato de percepção não é a cópia de um estímulo que entra. Ao contrário, nós armazenamos relacionamentos entre as coisas de uma maneira dinamicamente "acoplada e suave". O reconhecimento de qualquer imagem sentida pelo cérebro exige simultaneamente a ativação da imaginação interna (Kosslyn, et. al., 1994).

Um modo de pensar sobre a percepção é que ela é um processo de combinação entre o que chega no presente e os dados previamente armazenados. (Sem dúvida, você já percebeu que eu não consigo explicar o processo de percepção sem o uso de metáfora.) Enquanto os nossos cinco sistemas sensoriais recolhem amostras de porções do mundo externo, uma ativação do padrão de atividades eletroquímicas codifica a informação que chega.

Esse processo, por algum tempo, foi conhecido pelos neurocientistas como modificação sináptica, uma noção postulada pela primeira vez por Donald Hebb em 1945 e validada mais tarde pelo campo da biologia molecular. A noção crítica, que por algum tempo passou despercebida por muitos neurocientistas, foi o conhecimento de que enquanto o sistema nervoso está recolhendo exemplos no mundo exterior ele, simultaneamente, está recolhendo exemplos no mundo interior da reação fisiológica via uma elaborada divisão referida como sistema somatosensorial (Damasio, 1994).

O sistema somatosensorial recolhe os exemplos e codifica a reação fisiológica do nosso corpo para cada evento que ocorre no mundo exterior. O padrão de atividade eletroquímica exemplificada pelo sistema somatosensorial (perspectiva interna), está combinado com um padrão de ativação, distribuído amplamente através do cérebro, junto com o padrão de atividade eletroquímica exemplificada pelos outros sistemas sensoriais (perspectiva externa).

Em outras palavras, quando nós experimentamos o nosso mundo, o nosso sistema nervoso não somente registra os eventos de fora, mas também registra as reações do nosso corpo a estes eventos pois assim, mais tarde, nós podemos formular uma reação fisiológica adaptável para qualquer evento similarmente percebido. Esse é o motivo pelo qual nós humanos compartilhamos a experiência de sermos capazes de evocar uma imagem visual ou auditiva de um evento que ocorreu muitos anos atrás e, simultaneamente, experimentar os sentimentos ligados a este evento como se ele estivesse ocorrendo agora. Damasio sugere que esse simples processo é a correlação neural do raciocínio e da tomada de decisão humana.

O armazenamento ou codificação dos padrões de ativação é essencial para o processo de percepção e memória. Como Donald Hebb posicionou em 1945, parece que as células que se estimulam juntas, ficam ligadas. A reunião das células nervosas forma grupos de neurônios interconectados cujas sinapses se tornam mutua e simultaneamente fortalecidas pelo input dos neurônios durante a percepção e o aprendizado (sinapses de Hebbian).

Desse modo, a experiência seleciona um certo padrão de conexões celulares, seletivamente fortalecidas por um evento em particular. Mas como as conexões são extensamente partilhadas quando qualquer subconjunto de neurônios recebe um input familiar, a reunião inteira responde rapidamente. Isso é considerado um fenômeno do campo morfogenético, isto é, a regulação (Furman, AP, out 95 – parte1 desse artigo).

Os neurônios que participam no reconhecimento do cheiro da "serragem" também são afetados pela história dos neurônios que codificam o cheiro da "banana". A história tem precedência sobre as representações estáticas de um estímulo. O ato de percepção consiste num salto explosivo (fuga de um atrator) do sistema dinâmico da bacia de um atrator caótico para outro (AP, out 95).

A bacia de um atrator é o conjunto das condições iniciais da qual o sistema entra para um comportamento particular. A bacia para cada atrator seria definida pelos neurônios receptores que foram ativados durante a percepção para formar a reunião das células nervosas. Quando um evento externo de alguma maneira se torna significativo pela primeira vez, um outro atrator é adicionado à perspectiva, e todos os outros são submetidos a uma leve modificação. Por outro lado, se um evento externo é significativo logo, ele teve sua trajetória registrada diretamente para um atrator comportamental existente.

Em essência, a percepção capacita o cérebro a planejar e preparar-se para a ação subsequente com base na ação passada, do input sensorial e da síntese perceptiva. Um ato de percepção não é a cópia de um estímulo que entra. É uma etapa da trajetória pela qual o cérebro cresce, se organiza e se adapta ao seu meio.

Os padrões de conectividade são espaciais e temporais por natureza. As duas condições devem ser satisfeitas para ativar a reunião das células nervosas. Você não pode simplesmente transgredir a natureza do tempo bloqueado dos padrões de ativação. (Isso é a essência do que está por baixo dos procedimentos terapêuticos mais efetivos hoje disponíveis, isto é, a interrupção de padrão).

Como o cérebro constrói as categorias sem a informação que entra?

As categorias da percepção e da ação são montadas a partir de múltiplos locais do cérebro e interconexões, fundamentalmente com base nos códigos temporais que ocasionam a flexibilidade e a singularidade. Embora os grupos de células coexistam e se sobreponham, suas atividades podem ser reconhecidas como distintas por causa de um código temporal único (Ferster e Spruston, Science, novembro 3,1995).

A mesma célula ou grupos de células podem participar em diferentes montagens mudando seus relacionamentos temporais (degeneração), causando a sensibilidade do contexto extremo da reação perceptiva. Neste lugar se encontra a vantagem das oscilações neurais casadas as quais não estão muito firmemente fase bloqueada (AP, Out 95).

Um exemplo de codificação do tempo como um fenômeno pode ser ilustrado num experimento comum feito pelos neurocientistas usando gravações eletrofisiológicas do córtex de um rato. No córtex do rato, o conjunto dos neurônios de um campo receptivo oscilava em sincronia quando uma barra de luz era movida em uma direção e o mesmo campo se inflamava de uma forma sem correlação se a barra de luz era movida na direção oposta; deste modo transgredindo a natureza do tempo bloqueado do padrão de ativação de um local receptor particular no espaço.

A noção de "estratégias" ilustra esse conceito numa escala mais macroscópica, pois nós não iríamos questionar o fato de que existem diferenças qualitativas entre uma estratégia VAC e uma estratégia ACV a qual pode não ser empregada de maneira diferente para criar o mesmo estado ou comportamento.

Uma categoria é criada no contexto, numa trajetória da atividade interna "no tempo". A trajetória é sempre um produto complexo do contexto imediato, realmente anterior a atividade interna, e a história do mapeamento re-entrante entre os processos heterogêneos que compõe o sistema cerebral. A reentrada é uma exigência neural importante.

Para efetuar dinamicamente a categorização perceptiva, por um sistema não instruído, duas redes neurais independentemente abstratas devem trabalhar simultânea e separadamente em reação a um estímulo e depois interagir pela reentrada para fornecer alguma ligação abstrata, uma ligação de "uma ordem mais elevada" da suas representações. Em essência, esse é o verdadeiro processo da dinâmica neocortical que auxilia o impressionante e ardiloso poder da metáfora.

A função de uma metáfora em termos de dinâmica neocortical é ativar simultaneamente duas ou mais trajetórias previamente disjuntivas, a qual define duas ou mais sequências percepção-ação diferentes, para um simples padrão de ativação. Em outras palavras, as âncoras digitais "computador" e "cérebro" ativam simultaneamente os conjuntos das células nervosas, que antes estavam separados, e os extensamente distribuídos padrões de ativação conduzindo para um modo particular de pensar e de agir de acordo com "cérebro" ou "computador".

Uma metáfora efetiva forma um atrator profundo e altamente estável (conjunto da rede neural) capaz de capturar os dois padrões de ativação antes disjuntivos (sequências de pensamento/ação). Subsequentemente, as duas âncoras digitais são agora capazes de acessar o mesmo atrator comportamental (âncora pensamento). Esse processo permite que o cérebro adaptativamente reaja a duas noções ("cérebro" ou "computador") em termos da outra.

O processo completo é altamente dependente das conexões neuronais livremente combinadas no cérebro. Portanto, o uso da metáfora será sempre mais efetivo quando combinado com padrões hipnóticos que diminuem os níveis de ativação do cérebro e afrouxem as conexões combinadas previamente estabelecidas (AP, out. 95).

Desse modo, a metáfora é capaz de criar uma mudança espacial no conjunto coletivo das células nervosas resultando na (re)organização espontânea do mapa neuronal. A atividade temporariamente correlacionada entre muitos neurônios é a força crucial por trás da reorganização do mapa. Acredita-se que o movimento do mapa não envolva o movimento migracional ou o crescimento de neurônios, por si, mas antes uma mudança espacial na sua atividade coletiva.

Aqui se encontra o correlativo neural do processo de ancoragem em si. Eu gostaria de sugerir aqui que no nível da dinâmica neocortical, a metáfora é uma forma de ancoragem auditiva digital elaborada e graciosa, tão poderosa e penetrante que seus efeitos conversacionais são virtualmente invisíveis.

Uma experiência comum que todos nós compartilhamos é o poder da metáfora para re-organizar espontaneamente o mapa neuronal de tal modo que nós podemos experimentar aquele sentimento de esclarecimento "ah-ha" quando uma nova maneira de entendimento de alguma coisa nos atinge como uma tonelada de tijolos. Quantas vezes um excelente professor ou treinador ouviu um estudante dizer "Uau, eu nunca tinha pensado nisto desta maneira, isso muda tudo"? Uma mudança profunda no modo como nós percebemos ou entendemos alguma coisa desencadeia uma mudança igualmente profunda no modo como nós nos comportamos com respeito a esta coisa.

Em conclusão, a metáfora é certamente uma das mais poderosas ferramentas dos grandes oradores, hipnotizadores, professores, treinadores e pais. Um dos efeitos mais difíceis de se compreender é como as sugestões que ela carrega para a mente inconsciente podem ser "liberadas com o tempo". Como isso é possível? Acredita-se que o cérebro possa processar bilhões de bits de informações por segundo, embora nós somente estamos conscientes, em qualquer tempo, de aproximadamente 50 bits de informação por segundo. Também se acredita que para se formar os filtros perceptivos, o cérebro precisa processar cada bit de informação antes de determinar quais as porções que irão alcançar o limiar da consciência a qualquer momento dado (Roland, 1995).

Isso significa que quando uma sequência de eventos perceptivos ou mesmo um único evento estático começa a trajetória de interação, processos internos de reentrada, o traçado dessa trajetória é mantido por um período de tempo sem o reconhecimento consciente da contínua dinâmica neocortical. Você já teve a experiência de tentar se lembrar do nome de alguém ou de alguma coisa para descobrir 3 horas mais tarde que ela ‘estala’ de repente no consciente da consciência vinda de "nenhum lugar"?

O fenômeno hipnótico e experiências comuns diárias como essa, nos sugerem que diversas trajetórias coexistentes podem ser colocadas em movimento em um só tempo sem estar consciente na consciência (um processo paralelo). Uma vez que a consciência do consciente é um processo em série, essas trajetórias podem permanecer fora da consciência por algum tempo ou, possivelmente, podem nunca entrar na consciência do consciente mas em vez disso, afetam os processo neocorticais sem jamais necessitar da representação neocortical.

A confluência dessas trajetórias previamente disjuntivas é capaz de aglutinar e influenciar o pensamento ou o comportamento num tempo mais tarde. Logo que elas forem capturadas por um atrator comum e estável, elas podem atingir um verdadeiro limiar possibilitando a consciência do consciente. Neste lugar encontra-se a dinâmica neocortical a qual forma a base do uso da sugestão pós-hipnótica via metáfora.

Na verdade, nós estamos entrando numa década excitante. Um tempo onde técnicas poderosas do passado podem ser validadas e entendidas por meio de um conjunto ordenado de tecnologias impressivas de neuroimagens e modelagens neurocientíficas do sistema mente/cérebro. Eu o desafio para nos próximos meses anotar cuidadosamente o efeito das palavras e das metáforas em você mesmo e nos outros. O que as representações dos quátruplos eliciam dessas palavras e metáforas? Sabendo o que você sabe agora, como isso irá mudar o modo como você constrói as metáforas para seus colegas de empresa, amigos e para os entes queridos?

As metáforas influenciam, persuadem, criam entendimento, dão forma as percepções e a ação direta. Use-as com a precisão de um laser. Você está tecendo a estrutura do destino humano com todas as suas palavras.

Artigo publicado na revista Anchor Point de fevereiro de 1996.
Tradução publicada no www.golfinho.com.br em FEV/2005

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